Zélia Duncan (não) festeja os 30 anos do álbum com que fez nome em 1994
♫ MEMÓRIA
♪ Se quiser surfar na onda das efemérides que se ergue no mercado da música brasileira desde que o samba é samba, Zélia Duncan teria dois motivos incontestáveis em 2024. Além de a artista fluminense fazer 60 anos em 28 de outubro, o álbum com que se firmou na trajetória profissional iniciada em 1981, Zélia Duncan (1994), completa 30 anos.
Ao que parece, a cantora, compositora e instrumentista refuta a ideia de turnê para comemorar as três décadas do disco gravado com irretocável produção musical de Guto Graça Mello. Tanto que já prepara show inédito, Lado Z, para apresentar no Blue Note São Paulo entre novembro e dezembro.
Mas mal nenhum haveria se a artista montasse show retrospectivo para celebrar a efeméride do álbum Zélia Duncan. Até porque o disco ainda exala frescor em 2024.
Embora tenha entrado em cena em 1981, a cantora somente lançou o primeiro álbum, Outra luz, em 1990, quando ainda usava o nome artístico de Zélia Cristina. O disco Outra luz resultou opaco, com a luminosidade embaçada por produção e repertório irregulares, mas já com algumas pistas dos gostos de Zélia.
Já havia ali, por exemplo, a admiração por Rita Lee (1947 – 2023), de quem Zélia sempre soube escolher músicas menos óbvias.
A propósito, um dos muitos acertos do álbum Zélia Duncan é a regravação de Lá vou eu (1975), música que Rita havia composto com Luiz Carlini e gravado para a trilha sonora da novela O grito (TV Globo, 1975 / 1976), mas que já estava esquecida na época. Na voz grave de Zélia, Lá vou eu se tornou hit nos shows da cantora.
Zélia Duncan, o disco, é pautado pela afinada parceria da compositora com Christiaan Oyens – artista uruguaio que vive no Brasil desde 1973, entre idas e vindas – em canções de tom pop folk. No álbum, Oyens é o melodista inspirado de canções como Não vá ainda, O meu lugar e Sentidos.
A rigor, essas canções volta e meia aparecem nos roteiros dos shows de Zélia ao lado de outra parceria da dupla, Nos lençóis desse reggae. Com Oyens, Zélia também compôs Tempestade – faixa calcada no groove com sutil evocação de rap nas partes do canto falado – e Improvável, outra música alicerçada no balanço.
Além da parceria da Zélia com Chrystiaan Oyens, há outras pérolas no repertório do disco, como a regravação de Am I blue for you (1978), música da cantora e compositora britânica Joan Armatrading.
Duas canções letradas por Zélia com melodias de Lucina, Miopia e Eu não estava lá, corroboraram o caráter predominantemente melódico do álbum, alavancado nas rádios pelo sucesso avassalador de Catedral, versão em português de Cathedral song (1988), canção de Tanita Tikaran, artista alemã naturalizada britânica.
O repertório do álbum Zélia Duncan é completado por Um jeito assim, música de tom vintage, composta por Zélia com Paulo André Tavares.
Enfim, com o álbum lançado em edição caprichada da gravadora Warner Music, com capa que expôs a artista em foto de André Galhardo, Zélia Duncan firmou enfim o próprio nome 13 anos após ter posto os pés na profissão de cantora em Brasília (DF).
A fórmula pop folk desse coeso disco de 1994 já daria alguns sinais de desgaste no álbum sucessor Intimidade (1996), ainda que o sucesso da canção Enquanto durmo (1996) – outro acerto da parceria de Zélia com Christiaan Oyens – tenha salvado a pátria do ponto de vista mercadológico.
Só que, atenta aos sinais, Zélia foi abrindo o leque a partir do álbum Acesso (1999) e se transformando em outras. Hoje, à beira dos 60 anos, combina a militância com uma liberdade artística que lhe dá pleno direito de (não) comemorar com turnê os 30 anos do álbum mais importante da trajetória da artista.