Xande de Pilares reforça o elo com a MPB ao provar ‘mel’ de Maria Bethânia no festival ‘Doce maravilha’ no Rio
Maria Bethânia e Xande de Pilares cantam músicas como ‘Gente’, ‘Sonho meu’ e ‘Mel’ no festival ‘Doce maravilha’ na noite de ontem, 26 de maio
Bel Gandolfo / Divulgação ‘Doce maravilha’
♪ ANÁLISE – Cantor e compositor carioca associado ao samba e projetado nos anos 1990 como vocalista do Grupo Revelação. Xande de Pilares tem carreira tão bem-sucedida que nunca precisou de avais e chancelas dos gigantes da MPB para se firmar em cena.
Contudo, como certas elites culturais alimentam a crença de que a MPB paira soberana na música do Brasil por conta da (incontestável) genialidade da geração revelada na década de 1960, Xande ganhou status quando passou a ter músicas cantadas e/ou gravadas por Caetano Veloso e Maria Bethânia.
A decisão de gravar álbum somente com músicas do compositor baiano – Xande canta Caetano (2023), um dos discos mais aclamados do ano passado – potencializou esse prestígio na mídia e deu notoriedade a Xande fora da roda do samba, ligando o nome do cantor ao seleto clube da MPB.
Esse elo foi reforçado na noite de ontem, 26 de maio, com a participação de Xande de Pilares como convidado do show feito por Maria Bethânia na segunda edição do festival Doce maravilha, atração da cidade do Rio de Janeiro (RJ) no chuvoso fim-de-semana.
Na última apresentação do show Fevereiros, com o qual roda o Brasil desde abril de 2022, Bethânia saudou a água do céu (“Boa noite, chuva”, gracejou) e abriu espaço no roteiro para a presença de Xande em encontro anunciado com uma das atrações inéditas sugeridas pelo curador Nelson Motta para o festival Doce maravilha.
Anunciado pela cantora como “o pai da Estrela”, em referência à terceira filha do cantor, Xande de Pilares entrou no palco armado ao ar livre no Jockey quando Bethânia já havia cantado cinco músicas – Gema (Caetano Veloso, 1980), Gita (Raul Seixas e Paulo Coelho, 1974), Gostoso demais (Dominguinhos e Nando Cordel, 1986), Galos, noites e quintais (Belchior, 1976) e Fera ferida (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1982) – e, após as saudações protocolares, puxou o samba Sonho meu (Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1978), um dos grandes sucessos de Bethânia, sendo acompanhado pela cantora.
“Sonho meu é cantar com Maria Bethânia”, exultou Xande em cena, reverberando a reverência feita aos grandes nomes da MPB.
O segundo dueto foi em Diamante verdadeiro (Caetano Veloso, 1978), samba-choro que Bethânia lançou no mesmo álbum em que apresentou Sonho meu, o consagrador Álibi (1978), e que Xande reviveu no luminoso songbook de Caetano.
Sozinho, diante de Bethânia (sentada ao fundo do palco), Xande de Pilares cantou o samba Do jeito que a vida quer (Benito Di Paula, 1976), o hit do Revelação Deixa acontecer (Carlos Caetano e Alex Freitas, 2001), o partido alto Brincadeira tem hora (Beto Sem Braço e Zeca Pagodinho, 1986) – do repertório de Zeca Pagodinho – e Clareou (Serginho Meriti e Rodrigo Leite, 2014), música do primeiro álbum solo de Xande, Perseverança (2014), lançado há dez anos.
Na sequência do set solo de Xande, Bethânia voltou à ficar na frente do palco para dividir com o convidado os cantos de Mel (Caetano Veloso e Waly Salomão, 1979) e Gente (Caetano Veloso, 1977), música posta na cadência do samba.
Novamente sozinha no palco, Maria Bethânia deu continuidade ao show Fevereiros – cujo roteiro constantemente remodelado incluiu Baila comigo (Rita Lee, 1980), canção revivida em homenagem a Rita Lee (1947 – 2023) com flash carinhoso das cantoras exposto em foto no telão – até o radiante número final com o canto do samba Tá escrito (Xande de Pilares, Carlinhos Madureira e Gilson Bernini, 2009) em dueto com Xande.
Momento de maior interações entre os artistas, o samba Tá escrito já era número previsível, pois já fazia parte do roteiro do show Fevereiros desde a primeira apresentação em abril de 2022.
Surpresa foi a ausência no roteiro de Cria da comunidade, samba de Xande de Pilares e Serginho Meriti então inédito em disco quando foi gravado por Bethânia para o último álbum de estúdio da cantora, Noturno (2021), com intervenções vocais de Xande. Bethânia perdeu a oportunidade de cantá-lo com o autor.
De todo modo, foi bonito ver Xande de Pilares provar com prazer do favo do mel de Bethânia tal como Tim Bernardes fizera em outro festival realizado em outubro de 2023, reiterando que, com a morte de Gal Costa (1945 – 2022) há dois anos, Maria Bethânia se tornou a única abelha-rainha viva na colmeia da MPB.
Após dois anos, Maria Bethânia encerra a turnê do show ‘Fevereiros’ no segundo e último dia do festival ‘Doce maravilha’, no Rio de Janeiro (RJ)
Bel Gandolfo / Divulgação ‘Doce maravilha’