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Os novos filmes estão mais eróticos? Entenda como a tensão sexual voltou ao cinema

Após um período com sumiço das tensões sensuais em Hollywood, nova safra de produções promove volta de cenas quentes com ‘Rivais’, ‘Saltburn’, ‘Pobres criaturas’ e muito mais. Mike Faist, Zendaya e Josh O’Connor em cena de ‘Rivais’
Divulgação
Pedro Almodóvar costumava apontar um aspecto curioso em Hollywood. Era 2019 e os cinemas contavam com um número gigantesco de filmes de super-heróis. Apesar dos atributos físicos apresentados pelos atores, como Michael B. Jordan, Chris Evans e Chris Hemsworth, faltava algo para o cineasta espanhol:
“Não existe sexualidade nos super-heróis. Eles são castrados. Você encontra mais dessa sexualidade nos filmes independentes. O ser humano tem tanta sexualidade! Tenho a sensação de que na Europa, na Espanha, tenho muito mais liberdade…”
A frases soaram polêmicas, mas tinham uma razão de ser: havia uma espécie de apagão das cenas e roteiros mais sensuais em grandes produções. Agora, sucessos recentes como “Rivais”, “Saltburn” e “Pobres criaturas”, indicam uma retomada da sensualidade e da sexualidade no cinema.
“Quando se fala em desejos e sexo no cinema, às vezes, as pessoas entendem que se fala em coisas gráficas, sexualidade explícita”, diz Renan Guerra, jornalista cultural e pesquisador em cinema. “‘Rivais’ não é um filme que tem sexo graficamente, mas é movido pelo desejo, pelas tensões sexuais, e é isso que está retornando.”
G1 JÁ VIU: ‘Pobres criaturas’ perturba e seduz
‘Rivais’ tem Zendaya e seus twinkies
Barry Keoghan e Jacob Elordi em cena de ‘Saltburn’ (2023)
Divulgação
Segundo Guerra, são fases do cinema, ora mais sensual, ora menos – e estávamos, até então, em um momento de baixa.
“Na virada do século, a gente teve um espaço para a hiperexposição da sexualidade, com a internet, em que a gente vê tudo. O cinema foi tirando essas questões da tela, até praticamente sumir.”
Lembra dos thrillers eróticos?
Sheron Stone em ‘Instinto selvagem’
Reprodução
O pesquisador faz um histórico dessas ondas:
Com a liberação sexual dos anos de 1960 e de 1970, os filmes testaram os limites do que poderia ser exibido nas salas;
Na década de 90, vieram os thrillers eróticos em que o desejo era associado à morte e à perda, principalmente pelo contexto da epidemia do HIV/AIDS;
Já na virada do século, nos anos 2000, o sexo atingiu seu ápice e foi parar em todos os espaços, na TV, no cinema, na internet, a exemplo de filmes como “American Pie”, com cenas gratuitas de nudez e roteiros, hoje, questionáveis.
“Filmes como ‘Instinto Selvagem’, com a Sharon Stone, e outros do diretor Paul Verhoeven falam sobre sexo numa perspectiva do medo”, explica Guerra, lembrando os anos 1990
“Chegamos, então, em um momento em que os filmes mainstream, norte-americanos, deixam de abordar o sensual até nos filmes de super-herói, sem qualquer desejo”, diz Guerra.
Para fazer uma comparação, ele lembra que a Mulher-Gato de Michelle Pfeiffer, em “Batman: O Retorno” (1992), “transbordava sensualidade e era movida pelo desejo.”
“O cinema começa a limpar, higienizar isso nas telas. Os filmes focam mais no amor romântico ou em experiências que não são a sexualidade e o desejo carnal.”
Michelle Pfeiffer no papel de Mulher-Gato em ‘Batman: O Retorno’
Reprodução
Um tempo sem cenas quentes…
Uma pesquisa da revista “Playboy” apontou que apenas 1,2% dos filmes lançados entre os anos de 2010 e 2020 tinha cenas de sexo mais claras. Foi a menor taxa desde a década de 1960. O pico, é claro, havia sido nos anos 1990.
Alguns fatores indicam a mudança de direcionamento. As produtoras passaram a apostar em filmes com classificação etária menor, em busca de mais bilheteria. Houve ainda o interesse em expandir para o mercado chinês, onde cenas de sexo são censuradas e as empresas. Outro fator foi o maior investimento em animações.
Para Guerra, o sumiço do tema pode ser prejudicial. Afinal, a sexualidade, assim como Almodóvar já atestou, faz parte da história do ser humano.
“A gente sabe o quanto ‘American Pie’ era gratuito, machista e reforçava preconceitos. Mas o apagamento total do sexo cria um universo de pessoas que não falam sobre sexo e entendem esse tema como tabu. Teríamos uma geração de pessoas que não lidam com sua saúde sexual.”
“A gente pode comparar com o cinema europeu, que nunca deixou o tema de lado. Em qualquer comédia romântica europeia, o sexo está lá”, exemplifica o jornalista. “Em ‘O fabuloso destino de Amelie Poulain’, por exemplo, a personagem tem desejos sexuais, e está claro o tempo inteiro, mas com outra perspectiva: o sexo não é a chave central, mas está presente.”
Cena de ‘O fabuloso destino de Amelie Poulain’
Reprodução
O movimento #MeToo, iniciado em 2018, adicionou ainda mais à discussão sobre as cenas sexuais gratuitas, com também a inclusão de um profissional específico no set, o coordenador de intimidade, que auxilia os artistas nos takes mais quentes.
“É bastante complicado. É necessário – gostaríamos que não fosse -, sabemos o quanto esses ambientes podem ser horríveis”, diz Guerra. “Temos histórico de relatos especialmente de mulheres que passaram por experiências traumáticas em filmagens, incluindo, em clássicos do cinema.”
Novas caras no set
Os novos personagens atrás das câmeras incluem também as novas caras na direção e roteirização de projetos. Hoje temos mais mulheres, mais pessoas LGBTQIA+ e mais diretores negros. A diversidade permite que novas histórias sejam contadas, sobre temas variados, incluindo os mais picantes.
É o que acontece com “Rivais”, dirigido pelo italiano Luca Guadagnino. Zendaya é protagonista e produtora do longa-metragem sobre um triângulo amoroso formado por três jovens tenistas. Guadagnino é homossexual e ficou mais conhecido por outro sucesso, “Me chame pelo seu nome”, sobre a primeira paixão de um garoto vivido por Timothée Chalamet.
Timothée Chalamet e Armie Hammer em ‘Me chame pelo seu nome’ (2017)
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“Ele tem um olhar muito específico para o sexo e para a sexualidade nos diferentes personagens que aborda”, diz Guerra. “Neste, ele coloca Zendaya num espaço de poder, tem um jogo entre uma sensualidade mais fluida, a bissexualidade. São nuances que a gente sabe que só são possíveis de se existirem nesse novo contexto.”
Para ele, este cenário abre espaço para mais discussões e possibilidades: a mulher, por exemplo, deixa de ser a figura da Femme Fatale, destruidora de lares, para outras formas de representação. “Se a gente analisar o que está fora do mainstream, vemos diretoras mulheres colocando o sexo em outros espaços. Isso é rico e proporciona novas leituras.”
Fernanda Aguiar, professora de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, concorda que o cinema alternativo norte-americano, assim como o europeu, sempre foi mais ousado e irreverente.
“Agora, Hollywood, a indústria, não é burra. Ela vai se renovar”, atesta Fernanda. “Esses cineastas [como Guadagnino e o grego Yorgos Lanthimos, de ‘Pobres criaturas’],são europeus, começaram fazendo filmes de baixo orçamento e receberam prêmios. Hollywood vai em busca deles.”
Emma Stone e Mark Ruffalo em ‘Pobres criaturas’
Reprodução
Fernanda e Guerra afirmam que este retorno do sensual ainda não é um movimento concreto, mas chama atenção.
“O fato de um filme como ‘Pobres criaturas’ ter chegado ao Oscar, que é um lugar bem careta e ter conseguido um espaço muito amplo ali, já é algo muito interessante”, diz Guerra.
“Tivemos até Christopher Nolan, depois de 35 anos de carreira, incluindo cenas mais quentes pela primeira vez, com ‘Oppenheimer'”, lembra Fernanda.