Mundos de Anavitória e Nando Reis se completam na ‘Turnê dos namorados’
Em rotação pelo Brasil ao longo de junho, show chega ao Rio com toque político do cantor, que citou verso da canção ‘Diariamente’ para sentenciar que, ‘para a mulher que aborta, repouso, jamais prisão’. Vitória Falcão (à esquerda), Nando Reis e Ana Caetano na estreia carioca da ‘Turnê dos namorados’ na casa Vivo Rio
Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio
Resenha de show
Título: Turnê dos namorados – Palavras iguais dizendo coisas tão diferentes
Artistas: Anavitória e Nando Reis
Local: Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 15 de junho de 2024
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Diante da plateia entusiasmada que lotou a casa Vivo Rio na noite de ontem, 15 de junho, ficou claro que os mundos musicais de Anavitória e Nando Reis se completaram na estreia carioca da Turnê dos namorados – Palavras iguais dizendo coisas tão diferentes.
A interação harmoniosa entre o cantor e a dupla – formada por Ana Caetano e Vitória Falcão – é fruto de conexão iniciada em agosto de 2017 quando, em episódio da série Versões do Canal Bis, Anavitória abordou o cancioneiro de Nando Reis, compositor revelado na banda Titãs na década de 1980 que, a partir dos anos 2000, já em carreira solo, se tornou um dos grandes artesãos do pop brasileiro.
Nando viu o episódio, gostou do que ouviu e aceitou se unir com Anavitória em show idealizado para festejar o Dia dos Namorados em junho de 2018. O sucesso do show motivou a dupla a gravar álbum de estúdio, N (2019), produzido por Tó Brandileone somente com a músicas de Nando Reis. Gravado ao vivo, o show de 2018 ainda geraria EP lançado em junho de 2020 em plena pandemia.
Seis anos após o primeiro show em trio, o cantor e a dupla mostraram total interação na chegada à cidade do Rio de Janeiro (RJ) da turnê nacional que estreou em 2 de junho em Campinas (SP) e já passou por outras seis cidades do Brasil – Olinda (PE), Fortaleza (CE), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP) – em rota que ainda abarcará Belo Horizonte (MG), Goiânia (GO) e Brasília (DF) antes de chegar ao ponto final em Salvador (BA), em 30 de junho.
Na realidade, Anavitória e Nando Reis se afinam em cena porque o repertório de ambos é essencialmente calcado na canção folk tocada ao violão, como exemplificou Trevo (Tu) (Ana Caetano, 2016), ouvida com o toque do violão de Ana.
Só que, no palco, esse cancioneiro é amplificado com a pegada do pop rock, evidenciada já Luz dos olhos (Nando Reis, 1996), primeira música de roteiro que alternou composições do artista paulistano com canções de Ana Caetano, criadora do repertório de Anavitória.
Na sequência, o canto de Tenta acreditar (Ana Caetano e João Pedro Ferreira, 2021) reiterou que, no show, cantor e dupla fundem os respectivos repertórios de forma homogênea ao longo de duas horas de apresentação calorosa que iluminou O segundo sol (1999) e deu sentido político a verso de Diariamente (1991) – “Para mulher que aborta, repouso” – na canção de Nando lançada por Marisa Monte e revivida no show por Anavitória.
“Para mulher que aborta, repouso, jamais prisão”, já discursara o autor da canção, alguns números antes, citando o verso de Diariamente sob ovação popular, ao mencionar o “momento estranho” do Brasil em alusão à intolerável PL do aborto.
Anavitória e Nando Reis mostram interação no canto de músicas como ‘Dois rios’, ‘Singular’ e ‘N’ na ‘Turnê dos namorados’
Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio
Com o toque enérgico de banda que inclui Felipe Cambraia no baixo, Pupillo na bateria e Walter Villaça na bateria, Nando Reis e Anavitória marcaram posição na luta a favor dos direitos da mulher e se entrosaram no canto de músicas como Resposta (Samuel Rosa e Nando Reis, 1998) e Dois rios (Samuel Rosa, Nando Reis e Lô Borges, 2003), sucessos do Skank que tiveram os belos cursos melódicos preservados nos arranjos da Turnê dos namorados.
Houve real interação entre o trio ao longo de todo o show. Tanto que foi Nando quem puxou o canto de Singular (Ana Caetano, 2015), música da fase inicial de Anavitória.
A propósito, Nando Reis – criador de canções apaixonantes como All star (2000), N (2006) e Pra você guardei o amor (2009), devidamente incluídas no roteiro – exaltou no palco o trabalho de composição de Ana Caetano. “Foi uma descoberta”, sintetizou o compositor de 61 anos.
Invertendo o subtítulo da Turnê dos namorados, pode-se afirmar que Ana Caetano e Nando Reis usam palavras diferentes para dizer coisas iguais que passam pelo arrebatamento do amor, assunto tanto de Explodir (Ana Caetano, 2021) quanto da infalível Do seu lado (Nando Reis, 2003), petardo pop fornecido pelo compositor para a banda Jota Quest.
E, se o amor é o calor que aquece a alma, como sentencia Nando na letra do hit do Jota Quest, a Turnê dos namorados transcorreu em ponto de fervura, mesmo quando canções invariavelmente delicadas, caso de Espatódea (Nando Reis, 2006), foram levadas ao público em apropriado fogo brando em roteiro que somente saiu do trilho autoral com Partilhar (2018), canção de Rubel que ganhou registro do autor com Anavitória e que, no refrão, gerou efeito catártico na plateia.
Foi com amor e calor que Anavitória e Nando Reis aqueceram as almas abrigadas sob a casa Vivo Rio – onde a turnê fica em cartaz até hoje, 16 de junho – quando reabriram Relicário (Nando Reis, 2000) no número que arrematou show valorizado pela real sintonia entre três artistas e dois mundos que se completam em cena.