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Em jornada para o futuro, Silva renasce e se revigora entre as luzes e sombras do sexto álbum autoral, ‘Encantado’

Capa do álbum ‘Encantado’, de Silva
Obra de Elian Almeida
Resenha de álbum
Título: Encantado
Artista: Silva
Edição: Som Livre
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Silva pareceu ter chegado a um ponto de exaustão artística quando, seguindo as leis do mercado, lançou há dois anos o álbum Bloco do Silva #2 ao vivo (2022). Até por isso o sexto álbum autoral de estúdio de Lúcio Silva de Souza, Encantado, simboliza o renascimento artístico deste cantor, compositor e multi-instrumentista capixaba revelado em outubro de 2011 com a edição de EP consumido em nicho indie.
Naquela época, nada faria supor que o artista cruzaria a fronteira indie e iria atrás do trio e das multidões com o Bloco do Silva, projeto populista que ampliou o público do cantor na mesma medida em que o afastou da essência inicial.
Com Encantado, disco posto em rotação na noite de 23 de maio, Silva retoma o trilho autoral no qual atingira ponto de maturação com o álbum Cinco (2020).
Mesmo sem apresentar um hit tão imediato quanto A cor é rosa (Lúcio Silva e Lucas Silva, 2018), Encantado parece a sequência natural de Cinco, soando como mais um desdobramento da virada iniciada com Brasileiro (2018), disco no qual Silva abriu o leque com brasilidade pop que reverbera no álbum atual de forma natural.
Com 16 faixas que totalizam 14 músicas e dois belos temas caracterizados como interlúdios e assinados somente por Silva, 8 segundos (faixa com violão e vocalizes de Silva em 58 segundos) e Motivo (tema levado ao piano), o álbum Encantado apresenta 13 parcerias do artista com o irmão, Lucas Silva.
Joia de delicadeza da lavra solitária de Silva, Arrebol celebra o pôr-do-sol com coral de vozes tratadas com auto-tune e se impõe um dos momentos mais iluminados do disco gravado com produção musical orquestrada por Silva com André Paste.
Contudo, Encantado é álbum envolto em atmosfera de luzes e sombras. Silva se revigora nesse tom chiaroscuro, entre alegrias e melancolias.
“Tô numa jornada pro futuro / Cansei de vagar pelo absurdo / … / Quase me perdi por um segundo / Eu fui salvo pelo invisível”, inventaria Silva, pedindo passagem em Abram alas, faixa que inicia o álbum com aliciante trama de sintetizadores e programações.
Na sequência, Na hora mais bonita passa na avenida como samba pop que se alinha com ambiência feliz da faixa seguinte, Copo d’água, canção na linha sal, céu, sol, sul que se afina com a estética da obra de Marcos Valle, cuja voz, bossa e piano elétrico adornam a faixa com a devida leveza.
Música que motivou a exposição de obra do artista plástico Elian Almeida na capa do álbum Encantado, Girassóis floresce com as cordas e metais arranjados com a habitual maestria por Arthur Verocai. Ecos de João Donato (1934 – 2023), a quem Silva dedica o disco, reverberam em Girassóis, indicando que o caminho seguido por Silva a partir do álbum Brasileiro (2018) é irreversível.
Já Vou falar de novo é apaixonada balada de voz e piano que explicita o romantismo do artista, ressaltado no texto de apresentação de Encantado, disco que gerou alentado livro de arte direcionado a formadores de opinião.
Em Já era, canção menos sedutora no conjunto da obra, Silva pisa com tanto cuidado no terreno do sagrado que fica difícil entender a letra.
Álbum mixado por Patrick Brown com Silva e masterizado por Geoff Pesche, Encantado apresenta a primeira música em inglês dos irmãos Silva, Mad machine, bossa cinzenta que nubla o céu ate então azul do disco. É quando a leveza é por vezes dissolvida com um pouco de drama.
Um dos pontos mais altos do repertório, Carmesin é a faixa com maior dramaticidade, vinda tanto da voz encorpada da fadista Carminho quanto do sample de O preço de uma vida (Erlon Chaves e Romeo Nunes, 1965) na gravação original deste tema noveleiro do maestro Erlon Chaves (1933 – 1974). Inebriante, Carmesin simboliza a jornada de Silva para o futuro.
Amanhã de manhã (Para Lecy) é samba meio canção que busca o sagrado na gravação feita por Silva com Leci Brandão, cuja mãe se chamava Lecy, grafado com o mesmo y do nome da avó de Silva – e aqui cabe ressaltar que a escolha dos convidados do álbum Encantado parece ter obedecido critérios artísticos, e não comerciais, como em alguns discos do artista.
Na sequência, a letra da balada Risquei você pinta quadro de referências de artistas plásticos em versos poéticos como “Se eu pintar outro céu vou virar Gaudí / Ou Tarsila nos traços de um delirante / Risquei você com pincéis de Dali Mas vivo no inferno de Dante” enquanto a música transita da inicial moldura sintética dos synths para a cadência orgânica de marcha-rancho conduzida pelo violão de Silva.
Já Gosto de você estiliza o funk melody – gênero pautado pelo romantismo recorrente em Encantado – enquanto Recomenzar é canção em espanhol assinada pelos irmãos Silva com Jorge Drexler. A cadência ágil da faixa desloca Drexler para um terreno pop inexplorado pelo artista de origem uruguaia.
No fim do desfile, A vida é triste mas não precisa ser acentua o traço chiaroscuro – mais claro do que escuro, a bem da verdade – que pauta Encantado, álbum que, entre luzes e sombras, mostra Silva revigorado na jornada para o futuro.

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Produção Eduardo Dj