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A autobiografia que J.D. Vance escreveu quando ainda era crítico de Trump — e que ajuda a explicar o trumpismo nos EUA

Anunciado como vice da chapa de Trump, senador americano é autor do best-seller ‘Era uma vez um sonho’, que virou filme indicado a Oscar. Senador J.D. Vance com Donald Trump em foto de março de 2024.
Jeff Dean/AP
Antes de ser o candidato a vice -presidente na chapa de Trump, o senador americano J. D. Vance foi um dos republicanos críticos ao ex-presidente e o autor de uma autobiografia que virou best-seller — e que, para muitos, ajuda a explicar a ascensão do trumpismo nos Estados Unidos.
No centro da jornada de Vance, de capitalista de risco a candidato a vice-presidente, está o livro de memórias que ele primeiro pensou em escrever na pós-graduação, “Hillbilly Elegy” (“Elegia caipira”, em tradução livre), publicado no Brasil como “Era uma vez um sonho”.
A obra sobre suas raízes no campo do Kentucky e na classe trabalhadora de Ohio o tornou uma celebridade nacional logo após sua publicação no verão de 2016, e se tornou um ponto de discussão cultural após a surpreendente vitória de Donald Trump em novembro daquele ano.
O republicano de Ohio desde então foi eleito para o Senado dos EUA e, a partir desta segunda-feira (15), escolhido como companheiro de chapa de Trump na busca do ex-presidente por um retorno à Casa Branca.
Em “Era uma vez um sonho”, Vance reflete sobre a transformação dos Apalaches de um reduto confiavelmente democrata para um reduto confiavelmente republicano, compartilhando histórias sobre sua vida familiar caótica e sobre comunidades que haviam entrado em declínio e que pareciam perder a esperança.
Agora com 39 anos, Vance pensou no livro pela primeira vez enquanto estudava na Faculdade de Direito de Yale e o completou no início dos seus 30 anos, quando foi finalmente publicado pela editora HarperCollins.
“Eu estava muito incomodado com a questão de por que não havia mais crianças como eu em lugares como Yale… por que não há mais mobilidade ascendente nos Estados Unidos?”, Vance disse à agência de notícias Associated Press, em 2016.
As vendas de “Era uma vez um sonho” agora totalizam pelo menos 1,6 milhão de cópias, de acordo com a empresa de pesquisa de mercado Circana. Ron Howard adaptou o livro em um filme de 2020, que rendeu a Glenn Close uma indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante.
Glenn Close e Amy Adams em ‘Era uma vez um sonho’
Divulgação
“Eu senti que, se escrevesse um livro muito franco e, às vezes, doloroso, isso abriria os olhos das pessoas para a matriz muito real desses problemas”, afirmou Vance.
“Se eu escrevesse um ensaio mais abstrato ou esotérico… então não tantas pessoas prestariam atenção, porque presumiriam que eu era apenas mais um acadêmico falando, e não alguém que olhou para esses problemas de uma maneira muito pessoal.”
O livro de Vance, com o subtítulo “A memoir of a family and culture in crisis” (“Uma memória de uma família e uma cultura em crise”, em tradução livre), foi inicialmente elogiado por conservadores por suas críticas ao bem-estar social e ao que Vance via como “muitos jovens homens imunes ao trabalho árduo”.
Em uma resenha do livro na revista “The American Conservative”, Rod Dreher elogiou a alegação de Vance de que a política pública faz pouco para “afetar os hábitos culturais que mantêm as pessoas pobres”.
Após a eleição de Trump, o livro de Vance se tornou um guia não-oficial para liberais perplexos tanto pela ascensão de Trump quanto pelos laços compartilhados entre alguns dos residentes mais pobres do país e o rico homem do mercado imobiliário de Nova York que virou estrela de TV.
O jornal “Washington Post” apelidou Vance, inicialmente um crítico fervoroso de Trump, de “A voz do Cinturão da Ferrugem”.
Ao mesmo tempo, a obra foi fortemente criticada, inclusive por alguns das comunidades dos Apalaches que Vance retratava. As críticas comuns eram de que ele simplificava a vida rural e evitava o papel do racismo na política.
Na revista “The New Republic”, Sarah Jones escreveu que cresceu na pobreza na fronteira entre o sudoeste da Virgínia e o leste do Tennessee e chamou o livro de uma lista de “mitos sobre pobres encostados repaginados como um guia sobre a classe trabalhadora branca”.
No jornal “The Guardian”, Sarah Smarsh escreveu que Vance ofereceu uma perspectiva limitada sobre a pobreza americana.
“A maioria dos brancos oprimidos não são protestantes conservadores do sexo masculino dos Apalaches”, escreveu Smarsh.
“Isso às vezes parece ser o único conceito que a consciência americana pode conter: escondidos em uma cabana remota na montanha como um fantasma coberto de pó de carvão, como se a pobreza branca não estivesse sempre bem na nossa frente, passando nossos cartões de crédito em uma Target em Denver ou pedindo dinheiro em uma calçada de Los Angeles”.